Cuidar da terra é gerar vida

Ao escolher a comida saudável e a proteção do sistema alimentar, a agroecologia modifica a vida das mulheres do campo e da cidade

Esmorecer não é a solução. Essa frase, utilizada pela engenheira agrônoma e doutoranda em Ciências Sociais, Vivian Motta, durante o diálogo sobre promoção e vigilância da saúde da mulher, reflete bem a vida das mulheres, especialmente daquelas que vivem nos espaços ditos periféricos. Espaços onde a vida, para ser continuada, conta com o esforço e a criatividade delas na reinvenção de estratégias de cuidados. A agroecologia, como um sistema de preservação de todos os seres vivos, foi apontada também pela nutricionista e doutoranda em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial, Juciany Araújo, como um caminho de fortalecimento dessas práticas.  O diálogo se deu durante as aulas virtuais do Curso de Formação de Saúde para as Mulheres, projeto desenvolvido entre a Fiocruz Brasília e a Comissão dos Direitos da Mulher e da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados.

Por aportar características da pedagogia da alternância, em que o tempo trabalhado é o somatório do momento aula mais o de produção-interação com-na comunidade, a aula é realizada no formato virtual, seguido das discussões nas 28 turmas com levantamento das questões e inquietações das educandas e voltam a ser discutidas no tempo-aula seguinte. No geral, as questões versaram sobre o que motiva o uso dos agrotóxicos, já que são venenos e comprovadamente promovem danos às pessoas e ao meio ambiente, bem como foram apresentadas experiências desenvolvidas pelas educandas nos diversos estados, como hortas, quintais urbano e rural e sobre como produzir de forma agroecológica nesses dois territórios.

Importante reafirmar que a agroecologia, por ser uma forma de viver e produzir que se relaciona com a natureza em conjunto, faz de todas e todos nós natureza. Ela é muito mais do que uma produção que mexe com a terra e os animais (sejam terrestres, aquáticos ou marinhos) e vai além alcançando níveis que relacionam as várias dimensões da vida, como a tomada de decisão. Nesse caso, feita sempre com a participação e considerando o coletivo em que se faz parte. Nesse sistema, o melhor para mim é também o que é melhor para a/o outra/o.

Como esclareceu Vivian Motta, “a escolha é pelo alimento que traz vida. A agroecologia gera vida e quando se está bem alimentado se gera vida”. Ela nos chama a atenção de que o processo de modernização pensa o ser separado da natureza e a coloca a serviço do ser humano, logo ela existe para ser dominada e ser transformada em lucro. Por isso a produção da agricultura, também conhecida como agronegócio, é em grande escala, sem diversidade, provocando grande área de desmatamento e utilizando recursos externos (como agrotóxicos e sementes fertilizadas que contaminam a terra até o esgotamento). “Chegamos num momento em que isso está insustentável e a agroecologia vem como estratégia possível de produzir alimento sem matar o planeta”, afirma.

Nessa perspectiva da existência de um outro jeito de se produzir alimentos e, por consequência, a vida, Juciany Araújo destaca a participação das mulheres como promotoras desse sistema. É nesse espaço em que elas desenvolvem processos de autonomia e empoderamento porque exercitam coletivamente os processos simbólicos e práticos, desde a escolha pelo que vai ser plantado, os produtos que surgiram e que podem ser comercializados, como o recurso será utilizado em casa e nas comunidades e de como sanar os desafios que se apresentam ao longo de todo o processo.

E isso não está acontecendo em espaços separados, tanto o campo como a cidade estão produzindo alimentos agroecológicos. Um exemplo são os quintais produtivos, as cozinhas e as hortas comunitárias e escolares que estão alcançaram maior proporção e visibilidade nos últimos anos. São propostas formativas e que estão gerando mudança de hábito nas pessoas que voltam às origens e a revalorizar os conhecimentos ancestrais, como os chás, as tinturas e uso de produtos naturais. “Esses têm sido espaços de consideração do trabalho feminino e para se ter agroecologia é preciso esse reconhecimento”, explica.

Um detalhe que não podemos deixar de fora foi a reiterada queixa da moderadora, a psicóloga, pesquisadora da Fiocruz e uma das coordenadoras do projeto, Gislei Knierim, sobre a não democratização dos meios de comunicação e informações, evidenciada durante a pandemia da Covid-19, principalmente nas chamadas zonas ditas periféricas, que entre outras áreas envolve as comunidades pesqueiras, ribeirinhas e camponesas. “A gente sabe que o acesso às tecnologias e aos meios de comunicação não são democráticos, não são para todas as pessoas. Muitas mulheres que estão conosco, nesse processo de formação, têm muitos limites de permanecer ao vivo e acompanhar as aulas, assistindo em vários momentos. Por que a rede não é acessível a todas com a mesma continuidade, estabilidade e frequência”, lamenta.

O Ciclo 3 está discutindo a Promoção e Vigilância da Saúde da Mulher e faz parte do Curso Livre de Aperfeiçoamento em Promoção e Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho: com ênfase na saúde integral das mulheres. O projeto é desenvolvido entre a Fiocruz Brasília e a Comissão dos Direitos da Mulher e da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados e busca fortalecer e valorizar as diversas ações desenvolvidas por mulheres nos respectivos territórios. A próxima aula será dia 03 de dezembro, sempre às 17h, no canal do Youtube da Fiocruz Brasília (https://www.youtube.com/c/FIOCRUZBras%C3%ADliaoficial). Nesse endereço você também vai encontrar todas as aulas anteriores.

Rosely Arantes

Jornalista, comunicadora e educadora popular; coordenadora do Curso de Mulheres no Estado de PE; mestranda em Saúde Pública, com orientação da professora Mariana Olívia Santana dos Santos, da Fiocruz Pernambuco.